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ULTRA HD 4K
22 - 11 - 2016
Fazer um documentário sobre Elis Regina é um projeto de grande responsabilidade, tanto por sua importância na cultura nacional quanto pelo temperamento explosivo e pelo fim trágico da cantora. A decisão de contar a trajetória da adolescência à morte, com uma única atriz no papel principal, adiciona um risco à narrativa. Como dar conta de tantas reviravoltas na carreira musical, na vida amorosa, na relação política com o país? O diretor Hugo Prata faz uma aposta tradicional: destacar os pontos mais importantes de sua carreira.

Elis - FotoEsta decisão pode parecer óbvia, mas não é. Ao tentar pontuar todos os traços importantes da vida de Elis, o projeto sofre com um problema essencial no tratamento do tempo. Não se consegue amadurecer cada conflito antes que ele desapareça em tela e seja substituído por outro. Alguns exemplos: 1. Elis se apresenta num bar pela primeira vez e a plateia aplaude. Na cena seguinte, os produtores do local estão dizendo que “Copacabana é louca por ela”, e que os shows estão esgotados. Como ela cresceu tão rápido? 2. Elis se apresenta com Jair Rodrigues no programa O Fino da Bossa. A plateia está cheia, os aplausos são fartos, mas na cena seguinte o empresário insinua que eles podem ser demitidos pela baixa audiência, por estarem ultrapassados. Mas o programa não era um sucesso? 3. A relação entre Elis e César Mariano vai muito bem. Um dia, ele diz que a esposa parece angustiada. Na cena seguinte, acusa-a de beber demais e vai embora. Ora, nós nem víamos a cantora beber...

O roteiro de Elis, escrito pelo próprio Hugo Prata em parceria com Luiz Bolognesi e Vera Egito, apresenta dificuldade em proporcionar experiências, limitando-se aos fatos. Parece existir um check list de momentos indispensáveis, sem a preocupação de retratar o que liga um momento ao outro. As transformações são bruscas e desprovidas de psicologia, enquanto as cenas são introduzidas por sua utilidade: se Elis vê algum homem na rua, ele se torna um grande parceiro no futuro; se dá uma entrevista na mídia, é justamente a entrevista em que pronuncia as frases mais polêmicas em relação ao governo. O roteiro sofre da síndrome de Wikipédia, tão comum em biografias conservadoras: acredita-se que o mais importante na vida de uma pessoa são as suas reviravoltas, e não as características possibilitando que essas reviravoltas acontecessem.

A intenção pedagógica é coroada pelos diálogos explicativos: não basta que a cantora faça uma grande apresentação em Paris, ela precisa dizer em voz alta “Nossa, eu vim de um bairro pobre e agora estou no mesmo palco de The Supremes!”; não basta que pareça triste e angustiada, ela precisa falar sozinha, novamente em voz alta: “Às vezes bate uma angústia...”. O filme é claramente pensado no público médio, na audiência acostumada à linguagem televisiva e carente de explicações, com o som sublinhando a imagem. O mesmo vale para a trilha: quando Elis está triste, entra uma canção melancólica da cantora, quanto está eufórica, entra uma canção alegre. Talvez assim o projeto de fato alcance um público mais amplo, mas perde em complexidade por evitar qualquer construção poética, qualquer ambiguidade, qualquer cena de descanso. A vida sulfurosa de Elis se desenvolve em ritmo protocolar.

Elis - FotoPor estas razões, a atuação de Andreia Horta no papel principal não alcança o potencial que poderia. A atriz, certamente muito talentosa, é levada pelo diretor a exagerar na caracterização: ela faz muitos risos como os de Elis, mexe os braços freneticamente como a cantora, cria um timbre de voz parecido com o dela. Em cada um desses momentos, a câmera se aproxima num close, o volume da trilha aumenta, como se Prata quisesse dizer: “Está vendo como ela realmente se parece com Elis?”. De fato, a semelhança é impressionante. Mas o cineasta prefere a imitação à construção, tanto que a personagem é vista como uma mulher mais teimosa do que determinada. Pela lógica de causa e consequência no roteiro, Elis torna-se um tanto passiva: ela só corta o cabelo porque lhe dizem para fazê-lo, introduz guitarras elétricas em suas canções porque Nelson Motta sugere, muda sua interpretação por influência de Ronaldo Bôscoli.

O elenco conta com grandes atores em papéis coadjuvantes. O ótimo Júlio Andrade faz um Lennie Dale inspiradíssimo, Caco Ciocler traz uma ternura comovente a César Camargo Mariano, e Lúcio Mauro Filho compõe um Miéle simples, mas verossímil. A direção de fotografia se destaca com um belo trabalho de Adrian Teijido. De modo geral, Elis demonstra produção afiada e vontade sincera de homenagear a artista, mas o projeto é prejudicado pelo roteiro esquemático e pela direção de Hugo Prata. O diretor força a mão nas cenas mais sentimentais – as rupturas amorosas e a morte da cantora são particularmente novelescas – enquanto alivia elementos essenciais na vida da biografada, como o consumo de drogas, discretíssimo, e a pressão do regime militar, sintetizada numa cena tão branda que beira o desrespeito com a memória do país. Elis, o filme não possui a coragem e ousadia de Elis, a cantora.
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